Embora quase todas as pessoas sonhem, a capacidade de recordar essas experiências varia significativamente entre indivíduos. Uma investigação procurou compreender melhor este fenómeno, analisando os fatores que influenciam a recordação dos sonhos. Os resultados indicam três fatores principais que determinam se uma pessoa se vai recordar do sonho ao acordar: a atitude em relação aos sonhos, a propensão para a divagação mental e os padrões de sono.
Os sonhos podem ser definidos como experiências subjetivas conscientes geradas pelo nosso cérebro durante o sono, quando estamos em grande parte (embora não completamente) desligados do ambiente externo. Essas experiências de sonho baseiam-se em memórias e crenças previamente adquiridas e, por isso, apresentam aspetos relevantes de continuidade com pensamentos, preocupações e experiências salientes do nosso “eu” acordado.
Enquanto as evidências científicas sugerem que a maior parte das pessoas sonha durante o sono e que o faz durante uma grande parte da noite, a recordação dos sonhos já parece apresentar uma grande variabilidade interindividual. Embora vários estudos tenham indicado o sexo feminino, a idade mais jovem, uma atitude positiva em relação em relação ao sonho, a tendência para sonhar acordado e a propensão para a fantasia como fatores associados a uma maior frequência de recordação de sonhos, outras investigações produziram resultados parcialmente inconsistentes ou mesmo contraditórios.
Com o apoio da Fundação BIAL, Giulio Bernardi (IMT School for Advanced Studies Lucca, Itália) coordenou uma investigação que procurou compreender melhor este fenómeno, analisando os fatores que influenciam a recordação dos sonhos. Para isso, a equipa utilizou uma base de dados multimodal que recolheu, entre 2020 e 2024, relatos de sonhos, características pessoais e medidas cognitivas, psicométricas e neurofisiológicas em 217 adultos saudáveis (18-70 anos, 116 do sexo feminino, 101 do sexo masculino).
O artigo "The individual determinants of morning dream recall", publicado em fevereiro na revista Communications Psychology – Nature, revelou os resultados da investigação, apontando três fatores principais que determinam se uma pessoa acorda com a recordação da experiência do sonho: a atitude em relação aos sonhos, a tendência para a divagação mental e os padrões de sono.
Relativamente à atitude em relação aos sonhos, os resultados indicam que as pessoas que atribuem maior significado aos sonhos têm maior probabilidade de relatar a experiência de sonhar quando acordam, mas este interesse acrescido não aumenta necessariamente a sua capacidade de recordar o conteúdo da sua experiência. De notar que, embora a recordação frequente de sonhos possa fomentar o interesse pelo significado ou importância dos sonhos, a direção da causalidade permanece pouco clara.
Já a tendência para a divagação mental surge neste estudo como um preditor positivo robusto da recordação do sonho. A associação entre a divagação mental, o chamado “sonhar acordado”, e a recordação de sonhos observada pode indicar uma maior propensão para gerar espontaneamente experiências oníricas, independentemente dos estímulos externos e dos estados de vigilância.
O estudo revelou ainda que a recordação de sonhos parece ser influenciada pelos padrões de sono, ou seja, os indivíduos que tipicamente têm episódios de sono longos, juntamente com uma baixa proporção de sono profundo, mostram uma maior probabilidade de recordação de sonhos em comparação com aqueles que têm um sono mais curto e profundo. Este fenómeno apresenta ainda flutuações sazonais, sendo a recordação dos sonhos tipicamente mais baixa durante o inverno do que durante a primavera e o outono.
Além destes fatores, as diferenças individuais na tendência para recordar o conteúdo dos sonhos dependem da vulnerabilidade à interferência e da idade. O envelhecimento pode estar associado a alterações nos padrões de sono - em particular a uma diminuição dos períodos de sono longo e leve – o que pode afetar os processos de recordação de sonhos.
“Esta investigação reforça a ideia de que os sonhos são moldados por fatores inter e intra-individuais, que abrem novas perspetivas para compreendermos a sua ligação com a memória e a mente humana”, refere Giulio Bernardi, sublinhando que “o estudo dos sonhos é essencial na medida em que se sabe que desempenham um papel essencial na aprendizagem, na consolidação das memórias e até na nossa saúde mental e física”.
Saiba mais sobre o projeto “91/20 - Mentation report analysis across distinct states of consciousness: A linguistic approach” aqui.